quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"O silêncio dos intelectuais"- Sérgio Paulo Rouanet

"...é preciso distinguir entre mudez - desqualificação permanente - e silêncio - condição transitória. falemos um pouco sobre o silêncio. sobre o que falamos quando fazemos essa coisa paradoxal e contraditória que é falar sobre o silêncio? como é possível alguém falar sobre o silêncio? o silêncio é evidentemente um termo relacional, e se define por seu oposto: ausência de ruído, em geral, e de fala, quando nos referimos a seres humanos. os românticos usavam o termo na primeira acepção, quando celebravam a calma e a serenidade da natureza. e pascal falou no silêncio eterno do espaço infinito. em seu uso humano, a palavra pode significar coisas muito diferentes e ter causas muito diversas. nem todos os silêncios são sinistros. há o abençoado silêncio da televisão desligada. que nos permite a concentração, o recolhimento, a introspecção, o luxo monástico da meditação solitária ou a dois. há o silêncio da lealdade, de quem se recusa a divulgar o que lhe foi confiado por um amigo. há o silêncio do magistrado, quando um processo corre em segredo de justiça, ou do sacerdote, que não pode revelar segredos de confessionário. há o silêncio místico, que nos é inspirado pela contemplação do inefável, do que não pode ser articulado por lábios humanos. citação tão bem descrita por wittgenstein: "devemos silenciar sobre aquilo que não pode ser dito". mas há também silêncios menos amáveis, como o imposto pela repressão, nas ditaduras, ou o silêncio dos investigados, que se calam invocando um habeas corpus preventivo. entretanto vou limitar-me aqui a três destes silêncios. há o silêncio provocado pelo espanto, pelo susto diante do inesperado, do assustador, o silêncio que "faz perder a voz". há o silêncio terrível que vem do desprezo. fala-se muito em gargalhada homérica, a dos deuses do olimpo, há também um silêncio homérico, praticado nas regiões infernais. assim, no canto XI da odisséia, ulisses narra a viagem que fizera ao reino dos mortos, onde encontrou a sombra de ajax, que ele tinha em vida ofendido mortalmente. ulisses usou toda sua eloquência para obter o perdão de ajax, mas o herói refugiou-se altivamente no silêncio. aí diz ulisses: "assim falei eu, mas ele nada respondeu. foi para o erebo, unir-se às outras almas. e no entanto, apesar do seu rancor, ele bem poderia ter me falado, e ouvido". no livro VI da eneida, virgílio imita esse episódio da descida aos infernos e descreve o encontro de enéias com a alma de dido, que se suicidara depois que ele lhe abandonara. (era a rainha de cartago, né, há uma relação apaixonada entre os dois e num certo momento enéias acha que tem que continuar a cumprir o destino que lhe foi imposto pelos deuses e seguir viagem rumo à itália em direção à fundação de roma, e dido não aceita, não consegue superar o sofrimento provocado por esse abandono e mata-se). então enéias desce aos infernos para tentar obter o perdão de dido, tenta justificar-se, dizendo que deixara cartago por ordem dos deuses, mas dido permanece muda e inflexível. diz virgílio: "com suas palavras, e banhado em lágrimas, enéias quis acalmar a ira da rainha, mas ela, voltando seu rosto, e olhando para o chão, fica tão silenciosa quando ele tenta falar como se fosse uma pedra ou uma rocha. o romantismo retomou o tema do silêncio heróico. num dos poemas mais conhecidos de vigny, "a morte do lobo", o poeta diz que os homens deveriam imitar as feras, que desdenham lamentar-se no momento da morte. "só o silêncio é grande", diz o poema de vigny, "todo o resto é fraqueza". baudelaire volta ao inferno dos antigos (para dar outro exemplo do silêncio desdenhoso, o de dom juan): "ignorando os lamentos das amantes traídas e as maldições dos pais desonrados, o calmo herói dom juan, levado pela barca de caronte, não se digna dizer nada". esse portanto é o silêncio do desprezo. mas há também um terceiro silêncio que eu queria salientar, o silêncio dos omissos, das almas tidas e mornas de que falava dante. dos pusilânimes, dos que deveriam falar e se calam. dos que poderiam ter protestado contra o nazismo, impedindo o holocausto, e por não terem protestado a tempo, ajudaram a consolidar um regime em que todo protesto se tornou impossível. em todos esses exemplos o silêncio fala. essa fala pode ser decifrada: o bom silêncio fala da necessidade de preservar a vida interior contra a agressão dos decibéis, da lealdade entre amigos, do exercício responsável dos deveres inerentes a um cargo, do respeito diante do que ultrapassa qualquer verbalização. e o que dizem os outros tipos de silêncio? o silêncio motivado pelo susto (...). o silêncio provocado, motivado pelo susto é indício de pavor, ou de surpresa diante de um acontecimento inteiramente imprevisível. o silêncio produzido pelo desprezo traduz uma atitude de negação radical do outro, de recusa do atributo humano por excelência: o direito à interlocução, e é indício de um estado de coisas ou de um comportamento que realmente merece esse desprezo. o silêncio dos omissos diz que o homem está fugindo de sua liberdade e das obrigações éticas que ela impõe. sim, todos estes silêncios falam."




Trecho retirado em palestra de sérgio paulo rouanet; seminário em 2005 no Rio de Janeiro.

sábado, 17 de julho de 2010

Chuva Interior - Mario Chamie

Quando saia de casa
percebeu que a chuva
soletrava
uma palavra sem nexo
na pedra da calçada.

Não percebeu
que percebia
que a chuva que chovia
não chovia
na rua por onde
andava.

Era a chuva
que trazia
de dentro de sua casa;
era a chuva
que molhava
o seu silêncio
molhado
na pedra que carregava.

Um silêncio
feito mina,
explosivo sem palavra,
quase um fio de conversa
no seu nexo de rotina
em cada esquina
que dobrava.

Fora de casa,
seco na calçada,
percebeu que percebia
no auge de sua raiva
que a chuva não mais chovia
nas águas que imaginava.

— Mario Chamie

quinta-feira, 24 de junho de 2010

TAVA NOUTRA PAG.

Um sopro que move os cabelos, trazendo a tona o que deveria ser aprendido;
As reminiscências que provocam o silêncio, no momento oportuno;
O assunto que melhor conheço, sempre que perco o juízo;
O reconhecimento do letal fracasso, sempre que deparo com o impossível;
O som alto, daquilo que em todas as alvoradas silencio;
Uma explosão em rosas, onde sobram aos demais apenas os espinhos;
Um disparate aos olhos atentos, dos que buscam entendimento;
Portadora daquilo que ficou preso, a esperança do absurdo.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Manifesto apaixonado...

Obs: Como as palavras são manifestações de nossos sentimentos e sensações do exato momento, não saberei dizer se o redigi em 13 ou 14/05, pois o 13 ainda não havia findado, uma vez que trago comigo o turbilhão de emoções deste dia e dos anteriores a ele, mas na cronologia insensível já havia passado das 00h00 e acabara de despontar no céu paulistano o tal 14/05...entretanto...rs..

Estou apaixonada; nem por mim, nem por ninguém, mas por todos;
todos os que passam, passaram e por ventura passarão;
pelo todo, por tudo, pela vida;
pela dor, pela "misturança",
pelos sorrisos das ruas e dos ônibus frios e ensolarados;
pela indiferença do diferente e,
pelas diferenças indo em frente;
pelas angústias e incertezas,
certas e recorrentes,
das correntes dos homens coerentes,
pelo medo manifestado e expresso em forma
de flor;
pelo desabafo, desembaraçado que só,
não mais pertence a ninguém,
mas a todos os presentes,
aplausos vazios e uníssonos,
nas cançõs mudas,
pelas rugas e brancos, e ninguém,
mas por todos,
paixão latente...

domingo, 9 de maio de 2010

Há quem diga!

Há quem diga que o tempo não volta, tô longe de querer provar que materialmente este retorna. Não, dentro das limitações do ser, não seria possível, a não ser se houvesse uma mudança radical no conceito. Porém, o tempo volta dentro das recordações.
As pessoas, lugares, coisas, situações passam, mas os sentimentos sempre nos conduzem ao momento certo aonde paramos.
Forçoso é acreditar que neste mundo, aonde nada nos separa, apenas nós mesmos, jamais nos reencontraremos. A aurora do dia, por meio de um elogio me reconduziu a  reviver um "amor de tantas rugas", ao menos relembrá-lo, com muito carinho. Penso que nada justificaria tamanha distância que estes ventos do tempo fizeram lançar esta flor do meu jardim ônirico. Já que como sempre estou presa ao mesmo lugar, vivendo as mesmas coisas de maneiras diferentes, com arvores distintas, mas no mesmo lugar!
Estamos sempre querendo saber quem está por trás do aço do espelho. Afinal a ansiedade dos que vivem nas grandes metrópoles é tão frenético e constante quanto as buzinas, faróis e barulho dos passos nas ruas.
Há quem diga que as pessoas passam, assim como o tempo do relógio, só que elas ficam, e ainda tentam nos pregar peças, tendo uma má interpretação do outro. Tenho muito carinho por todos que passaram, e ainda estão passando, para poderem continuar sua caminhada, mas assim como na música "meus bons amigos ondde estão notícias de todos quero saber".
Tô certa?
Ademais...rs...merci!