quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Liberdade...

Liberdade]... "...Sem ela, a bem dizer, não há solução definitiva. Logo compreendi isso. Antigamente, só tinha liberdade na boca. No café da manhã, eu a passava nas minhas torradas, mastigava-a durante todo o dia, levava ao mundo um hálito deliciosamente refrescado pela liberdade. Eu atirava essa palavra-mestra a quem quer que me contradissesse, tinha-a colocado a serviço dos meus desejos e do meu poder. Murmurava-a na cama, ao ouvido adormecido das minhas companheiras, e era com a sua ajuda que eu me descatava delas. Eu a deixa escorregar...Oh!, eu me excito e perco a noçao de dimensão. Afinal, aconteceu de eu fazer da liberdade um uso mais desinteressado e até mesmo, avalie a minha ingenuidade, defendê-la duas ou três vezes, sem chegar, é bem verdade, a morrer por ela, mas correndo alguns riscos. É preciso me perdorar essas imprudências; eu não sabia o que estava fazendo. Não sabia que a liberdade não é uma recompensa, nem uma condecoração que comemora com champanha. Nem, aliás, um presente, uma caixa de chocolates de dar água na boca. Oh, não, é um encargo, pelo contrário, e uma corrida de fundo bem solitária, bem extenuante. Nada de champanha, nada de amigos que ergam a taça, olhando-nos com ternura. Sozinhos numa sala sombria, sozinhos no banco dos réus, perante os juízes, e sozinhos para decidir, perante nós mesmos ou perante o julgamento dos outros. No final de toda liberdade, há uma sentença; eis por que a liberdade é pesada demais, sobretudo quando se sofre de febre, ou nos sentimos mal, ou não amamos ninguém." Albert Camus, A Queda.




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